segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

COMO ENCONTRAR FONTES NA INTERNET PARA AULAS DE HISTÓRIA

Com o advento da internet as aulas e história começaram a mudar, também. Até o final do século XX o professor contava apenas com recursos como livro didático e alguns paradidáticos para poder trabalhar. Em escolas menores e de periferia acesso a livros e a uma bilbioteca era limitado, isso quando não era inviável (e até hoje permanecesse assim em muitas cidades). Havia a possibilidade do uso de jornais e revistas quando se tratava de conteúdo mais recente ou quando se publicavam especiais sobre eventos históricos. O/a professor/a recortava as notícias e as utilizava em sala de aula. No entanto, as fontes mais antigas ficavam em bibliotecas e arquivos muitas vezes longe do acesso de professores/as, principalmente daqueles/as que trabalhavam em cidades do interior.

Mas o século XXI trouxe novas possibilidades. Atualmente, no campo digital temos espaços destinados a ser repositórios de estudos (artigos, dissertações, teses) e de fontes diversas, de periódicos a fontes imagéticas, além de canais destinados a produzir conteúdo sobre história (sobre estes canais, presentes no Youtube, por exemplo, vou falar em outra postagem). As bibliotecas estão digitalizando seus acervos e criando hemerotecas digitais[1].

Atualmente é possível acessar informações, bancos de imagens e documentos de diversas partes do mundo e usá-los para montar aulas e atividades. O livro didático, na minha opinião, está se tornando um objeto de apoio secundário para professores e professoras que começaram a investir em produzir conteúdo a partir de fontes.

Nas hemerotecas e nos sites criados para abrigar documentos dos mais diversos é possível conseguir um rico material que pode ajudar a compor uma aula, complementar informações ou mesmo ser vir de base para projeto, inclusive projetos interdisciplinares. Recentemente eu li alguns artigos com relatos de experiências em sala de aula utilizando documentos como cartões postais e cartazes, retirados de repositórios de documentos.

Eu, por exemplo, frequentemente visito repositórios e hemerotecas. Encontro muito material interessante sem sites de bibliotecas universitárias, de bibliotecas nacionais e internacionais. Já tirei material para compro slides que preparei para minhas aulas com alunos do fundamental e médio e, inclusive, já usei a hemeroteca da Biblioteca Nacional para um projeto de pesquisa com alunos do oitavo ano do ensino fundamental, que resultou numa pequena publicação impressa, sobre a história local. E isso foi em 2014, há 10 anos atrás. De lá pra cá não apenas aumentaram as fontes como, também, a possibilidade de trabalhar diversos temas.

É trabalhoso, mas prazeroso, principalmente quando se domina as ferramentas de busca e gente aprende a localizar o material que precisamos. Até mesmo o idioma deixou de ser um problema, pois os navegadores têm ferramentas de tradução automática que permite o professor/a visitar e colher material em sites com idiomas estrangeiros. Eu já usei documentos retirados da Gallica, a hemeroteca digital da Biblioteca Nacional da França, do site da Biblioteca da Sorbone, da Hemeroteca de Lisboa e de sites de bibliotecas universitárias de outros países. É uma experiência de aprendizagem tanto para os estudantes quando para os/as docentes, pois permite que se saia do lugar comum.

Trabalhar povos indígenas a partir de documentos históricos colhidos de uma hemeroteca ou uma bilbioteca, analisar o imperialismo e as guerras mundiais por meio de imagens, acessar revistas e jornais publicados há mais de 100 anos e retirar deles documentos para serem analisados durante uma atividade em sala de aula ou mesmo uma avaliação. Há muitas possibilidades de incluir ao material didático já utilizado conteúdo inédito.

Eu particularmente acredito que o professor é o melhor material que a escola pode oferecer. Infelizmente ele/a precisa ser lembrado/a disso constantemente. Por isso muitas vezes ele acaba se acomodando e limitando sua aula ao livro didático. Assim como os estudantes, professores também precisam ser estimulados a tirar o melhor de si. Isso, inclusive é algo importante para a saúde mental dos docentes, prejudicada pela pressão sofrida diariamente nas escolas, pelo assédio de pais e de alunos, que parecem não entender os limites para o trabalho docente e nem sempre reconhecem seu valor. O sentimento de realização e descoberta pode ajudar a superar estes obstáculos, cada vez mais presentes no nosso dia a dia.

Vou deixar aqui algumas indicações de sites de bibliotecas e hemerotecas que podem ser úteis para quem quiser se aventurar e buscar novos materiais para trabalhar em sala de aula. Você professor que já está na docência há muitos anos e ainda não se arriscou a trabalhar com outros materiais, não é tão complicado assim. Aos professores mais jovens, creio que a experiência pode ser enriquecedora e estimular outras atividades e até projeto de iniciação científica. Vamos tentar?

Alemanha

- Biblioteca Nacional Alemã

Brasil

- Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

- Hemeroteca Digital Santista

- Hemeroteca Digital do IHGG

- Hemeroteca Digital Catarinense

- Biblioteca Digital do Estado de Minas

Canadá

- Biblioteca Pública de Toronto

- Fundação Japão Toronto

- Biblioteca de Quebec

China

- Biblioteca Nacional da China

Coreia do Sul

- Biblioteca Nacional da Coreia

Espanha

- Biblioteca Digital Hispânica

Estados Unidos

- Biblioteca do Congresso

- Biblioteca Digital de Minnisota

França

- Gallica – hemeroteca digital da Biblioteca Nacional da França

- Biblioteca da Universidade de Sorbonne

Japão

- Fundação Japão

- Biblioteca Nacional

Portugal

- Hemeroteca digital de Lisboa



[1] Hemeroteca é um setor das bibliotecas onde se encontram coleções de periódicos como jornais, revistas e outras obras editadas em série

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

PRÊMIO ARTEMÍSIA 2024 - RESULTADO ANUNCIADO

Saiu o resultado do Prêmio Artemisa, de 2024, criado há 17 anos para dar visibilidade ao trabalho de mulheres quadrinistas na França. O resultado é divulgado tradicionalmente no dia 9 de janeiro, data em que se comemora o nascimento de Simone de Beauvoir. 

Criado em 2007 por Chantal Montellier e Jeanne Puchol, o Prêmio Artemísia possui cinco categorias diferentes. O júri composto por Chantal Montellier , Isabelle Beaumenay-Chaland , Julie Scheibling , Patrick Gaumer , Pascal Guichard e Christophe Vilain , é acompanhado pelo presidente honorário Laurent Gervereau . O Grande Prêmio anterior de 2023 foi concedido a Valentine Cuny-Le Callet por Perpendicular ao Sol (Delcourt) .

As vencedoras de 2024:

  • Grand Prix Artémisia: Madones et putains (Madonas e Prostitutas) de Nine Antico (Dupuis)


  • Prêmio Artemisia Weed: Devenir de Joanna Folivéli (Futuro de Joanna Folivéli) (Dois Pontos)



  • Prêmio Artémisia Poésie-Mixte: Grande échappée (A Grande Fuga) de Bérengère Delaporte , variação gráfica em torno do poema La Panthère (A Pantera) de Rainer Maria Rilke (Nathan)

  • Prêmio Artémisia de Humor: Le grand incident (O grande incidente) de Zelba (edições Futuropolis / Louvre)


  • Prêmio Artémisia Survireuse: (Sultana) de Lili Sohn e Élodie Lascar (Steinkis)

  • A entrega dos prêmios vai acontecer no dia 17 de janeiro, no L'Espace des Femmes - Antoinnete Fouque, em Paris, França. Des Femmes é uma editora criada em 1973 por Antoinette Fouque com o objetivo de impulsionar a vida editorial, intelectual e cultural francesa, destacando a criação das mulheres. Antoinette Fouque foi uma psicanalista francesa envolvida no Movimento de Libertação das Mulheres. 

domingo, 7 de janeiro de 2024

MADELEINE, RESISTENTE E QUADRINHOS SOBRE A II GUERRA MUNDIAL

Minha primeira postagem do ano vai ser sobre uma HQ que eu comecei a ler justamente no dia 1º de janeiro, e com certo atraso, devo dizer. É a HQ "Madeleine, resistente: a rosa engatilhada". Trata-se de uma HQ criada a partir das memórias da poetisa e jornalista (correspondente de guerra) Madeleine Riffaud, uma jovem que, em 1942, aos 18 anos, e sofrendo de tuberculose, desafiou a ocupação nazista na França, lutando da resistência. Tinha tudo para dar errado, não é? Uma menina frágil e ainda por cima doente, disposta a encarar um dos momentos mais difíceis da história da humanidade. Mas olha, ela conseguiu, tanto que viveu para contar a sua história por meio dos quadrinhos.

Madeleine, resistente é uma série em quadrinhos que teve seu primeiro volume publicado no Brasil em 2023. Esta série é ressoldado de um trabalho conjunto entre Madeleine Riffaud, Dominique Bertail, Cartunista e colorista francês, e do roteirista francês Jean-David Morvan. É uma autobiografia, um registro histórico da vida de Riffaud que está fazendo muito sucesso em todo o mundo.

Madeleine Riffaud nasceu em 23 de agosto de 1924 é filha de professores. Ao se unir à resistência adotou o codinome "Rainer", em homenagem ao poeta alemão Rainer Maria Rilke. Ela participou das ações das “Forças do Interior Francesas” em várias operações contra as forças de ocupação nazistas. Em 23 de julho de 1944, ela ficou famosa pelo assassinato de um oficial alemão, em plena luz do dia. Presa e torturada ela foi liberada e retomou suas ações junto à resistência, até o final da guerra. Como jornalista, ela se envolveu na frente de descolonização, tendo presenciado, e relatado como jornalista, a guerra da Indochina, da Argélia e do Vietnã. Só por essa biografia resumida dá para ver que Madeleine Riffaud tem muita história para contar.

Eu tive contado com a HQ Madeleine, resistente, pela primeira vez, em janeiro de 2023, durante o 50º Festival de BD de Angoulême, na França. Sobre ela foi montada uma maravilhosa exposição sobre a HQ e a própria Madeleine. Foi uma das exposições que que mais gostei em todo o festival. Não apenas pela forma como a HQ foi exposta mas, principalmente, porque foi uma exposição montada a partir do ponto de vista da História. 





Mais do que promover a HQ a exposição, na minha interpretação, foi pedagógica, mostrando não apenas uma parte da guerra que poucos vivenciaram como, também, um exemplo de empoderamento feminino, a partir das experiências de Madeleine.

Posso dizer que conheci Madeleine Riffaud antes de ler a HQ e, por isso, eu acabei lendo e me interessado ainda mais pelo tema da resistência, que eu já havia trabalhando um tanto quanto superficialmente em outros momentos. Para quem gosta do assunto, a leitura desta HQ é mais que recomendada. O segundo volume deve sair agora em 2024, em português. Uma coisa que eu gostei muito foi a história “bônus” no final da HQ, que consta como o projeto começou, na forma de quadrinhos

 

domingo, 31 de dezembro de 2023

MINHA RETROSPECTIVA DE 2023

Pediram que eu fizesse um apanhado do meu ano de 2023. Foi quando eu percebi que eu não tinha certeza do que eu havia feito (pelo menos cronologicamente falando) durante o ano. Eu tive que buscar vestígios para muito além da minha memória para fazer esta retrospectiva, e nem tenho certeza se está completa.  Um exercício de memória difícil, pois o ano de 2023, para mim, foi complexo de várias formas. 


Eu comecei o ano fazendo uma longa viagem de férias. Fiquei mais de um mês fora de casa. Foi ótimo, mas me consumiu muito. Não faria novamente. Acredito que isso tenha sido resultado dos anos de pandemia. Eu, de repente, senti um impulso de cair na estrada e romper com aquele longo isolamento. Fui para Portugal, Suíça e França. Fiquei na casa de amigos, revi pessoas queridas e fui a lugares nos quais eu ainda não tinha ido e revi alguns que eu já conhecia.

Fechei as férias participando do Festival Internacional Quadrinhos de Angoulême, na França, de onde enviei algumas notícias para o Mina de HQ (minha primeira experiência do tipo). 

Em fevereiro, de volta, eu gravei um podcast com o Quadrinheiros, que foi lançado em março. Foi bem interessante. Não tenho o habito de gravar podcast, acho que tinha feito no máximo dois antes deste. Mas gostei da experiência e do resultado. Estou ficando mais articulada para falar.  Retomei meu trabalho nas duas escolas nas quais eu leciono. Recebi este ano 4 turmas novas, com alunos para os quais eu ainda não havia lecionado. Foram turmas ótimas, muito além da minha expectativa, e que ajudar a diminuir o fardo do trabalho porque eu me diverti muito dando aula para eles.

Fui aceita para o pós-doutorado em Letras, na UEMS, no final do ano de 2022 e já comecei 2023 ligada à universidade. Ao longo do ano eu me vi envolvida nas atividades do curso. A primeira delas foi o encontro "Quadrinhos e o fim do mundo: utopias e distopias". Eu participei de uma mesa junto com os amigos Octavio Aragão e Elidiomar Ribeiro, no dia 07 de abril, pela manhã. Primeiro evento acadêmico do qual eu participei no ano.

Em maio, saiu minha primeira publicação do ano, um a artigo na Revista Cajueiro. Aliás, um dos artigos que eu mais gostei de escrever nos últimos anos: Entre a vida e a morte - apropriação da linguagem dos quadrinhos e o tema do suicídio em W: Two Worlds. Aliás, eu escrevi muita coisa em 2022 e em 2023 que só vai ser publicado em 2024, o que me deixa um pouco confusa. Ao fazer esta retrospectiva eu me dei conta de que fiz muita coisa mas para fins de registro ainda não posso divulgar. Percebi, também, que tenho que atualizar meu Lattes e meu Orcid.

Maio, por sinal, fui um mês absurdamente corrido e cheio de eventos. Eu viajei para Campo Grande, MS, para cumprir minhas tarefas do pós-doutorado e ministrei um curso para os alunos do mestrado em letras. Aproveitei para conhecer a Gibiteca de Campo Grande e fazer contatos com professores e alunos da Universidade. Foi quando realmente caiu a ficha de que eu estava de nova na universidade, só que meu papel agora é outro: eu que estou ministrando as aulas. Foi meio assustador no início, mas foi, está sendo, divertido.

No final do mês tivemos o VI Entre ASPAS, encontro da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial (ASPAS), em Leopoldina, MG, evento do qual fui uma das organizadoras. Participei ainda como mediadora de uma mesa sobre quadrinhos e pesquisa na História, com a participação de Mary Del Priore e apresentei comunicação ao lado da amiga Alessandra Senna. Durante o evento houve a eleição para a nova gestão da ASPAS, da qual eu agora faço parte, junto com mais três outros colegas, até 2025.

Tirei 10 dias das férias de julho para passear. Fui para Campos do Jordão, com a amiga Ana Cristiana e, depois, fui para São Paulo, rever meu amigo sueco/brasileiro, Ricardo Gonçalves. Fomos ao show da Marisa Monte e aproveitamos para fazer alguns pequenos passeios. Foi ótimo. Voltei das férias revigorada.

No final de agosto eu participei da banca de qualificação do doutorado da amiga Daniela Marino, na USP e pude aproveitar para pegar o final das Jornadas Internacionais e Quadrinhos da USP e rever  muitos amigos queridos. Foi em agosto, também, que fiquei sabendo que um artigo que eu escrevi junto com a Daniela seria publicado no International Journal of Comic Art, uma revista estadunidense especializada em quadrinhos. O artigo foi The Boom of Female Comics in the 21st Century in Brazil, que nós fizemos para um evento em 2021, mas que não havia sido publicado. Daniela submeteu o texto e ele foi aprovado.


Em setembro eu retornei a São Paulo para participar de um evento e lançamento de livro, com a autora francesa Chantal Montellier no Sesc/SP. Foi mediadora de um bate-papo com a autora que ocorreu antes da sessão de autógrafos. Acho que este ano São Paulo foi o lugar para onde eu mais me desloquei, seja para lazer, compromissos de trabalho ou mesmo fazendo escala em aeroporto.

Em outubro eu publiquei junto com o amigo Ricardo Gonçalves, um capítulo intitulado Gender and sexuality in Brazilian early childhood education no livro Gendered and Sexual Norms in Global South Early Childhood Education. Uma experiência muito boa, pois saí da minha zona de conforto e encarei um novo desafio, com um tema que é do meu interesse mas sobre o qual eu ainda não tinha produzido nada significativo. Foi um trabalho longo, que passou muitos ajustes. Eu agradeço a Ricardo pela convite e pela confiança.

Ainda em outubro dei início, junto com a amiga Lucilene Nunes, a um curso sobre Introdução à História Local, para 40 professores da rede municipal de ensino de Leopoldina. O curso terá três módulos. Aproveitamos para transformar o material que usamos em e-book que está disponível para download. Ainda em outubro eu retornei para Campo Grande, onde eu participei de um evento na biblioteca da UEMS, “Primeira Semana Nacional do Livro e da Biblioteca”, além de outras atividades tanto no curso de letras quanto no curso de História.

Em novembro eu recebi a notícia de que minha tese foi premiada pelo Trofeu HQ Mix. Foi uma surpresa, juro. Eu nem estava pensando que poderia ganhar. Fiquei muito grata pelo prêmio e foi muito emocionante poder ir à cerimônia receber o troféu, em dezembro.

No final de novembro e início de dezembro eu participei como mediadora de uma mesa no evento “Quadrinhos e Música”, como parte das atividades do meu pós doutorado. E, para encerrar, lançamos, no dia 02 de dezembro, o livro "Varal de Memórias" um projeto que eu realizei com meus alunos em agosto e que acabou resultando na publicação de um livro e um e-book.

 


quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

A CRIATURA DE GYEONGSEONG E OS CRIMES DE GUERRA DO JAPÃO

Nosso conhecimento sobre os crimes cometidos por nações do EIXO durante a Segunda Guerra Mundial é geralmente centrado na Alemanha e em seus campos de extermínio, que levaram milhões de pessoas inocentes à morte. Livros de história e obras e ficção trouxeram horríveis experimentos que os nazistas fizeram com pessoas de todas as idades, experimentos que começaram antes mesmo do início da guerra. No entanto, pouco estudamos ou falamos sobre os crimes cometidos pelo Japão.

 

Devo confessar que, mesmo com formação em história, foi somente por meio de quadrinhos como "Grama", cuja a narrativa gira em torno da escravidão sexual de mulheres pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, e de séries dramáticas como "Mr Sunshine", que levanta o tema da resistência armada e a luta pela independência da Coreia durante a dominação japonesa, que eu comecei me interessar e a estudar uma parte da história do Leste Asiático.  


Recentemente eu assisti a primeira parte de um o drama histórico lançado pela Netflix, em dezembro de 2023, chamado “Gyeongseong Creature” (A criatura de Gyeongseong), uma obra de suspense e de ficção científica, que fala sobre experimentos conduzidos por médicos japoneses em laboratórios secretos, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi a partir desse programa de TV que acabei conhecendo mais uma história lamentável da Segunda Guerra Mundial, cuja barbárie atualmente vem sendo enaltecida por pessoas de pouco conhecimento e nenhuma sensibilidade.

 

No drama, a população civil de regiões colonizadas era exposta a experimentos com o objetivo de criar uma mutação capaz de ser usadas na guerra contra os aliados. Monstros criados em laboratório. "A criatura de Gyeongseong" é uma obra ficcional, repleta de exageros necessários para compor a narrativa fantasiosa, mas que se baseia em fatos históricos.


Em 1935, o governo japonês fundou a Unidade 731, uma unidade secreta de pesquisa e desenvolvimento de guerra biológica e química do Exército Imperial Japonês que realizou experimentação humana letal durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e parte da Segunda Guerra Mundial. Foi oficialmente conhecido como o Departamento de Prevenção de Epidemia e Purificação de Água do Exército de Guangdong. O nome "Unidade 731" foi oficialmente adotado em 1941.


A Unidade 731 era comandada pelo Tenente General Shiro Ishii, responsável por vários de crimes de guerra. O General Shiro Ishi era um cirurgião formado pela faculdade de medicina na Universidade Imperial de Kyoto. Ele entrou para o Exército Imperial Japonês como de Cirurgião do Exército. Antes de iniciar sua pesquisa com seres humanos na Unidade 731, Shiro Ishii viajou para a Europa para estudar armas biológicas e guerra química. Ele foi a versão japonesa de Josef Mengele, responsável pelos experimentos com prisioneiros realizados no campo de Auschwits, na Alemanha.


Estima-se que cerca de 250 a 300 mil pessoas foram submetidas a experimentos realizados pela Unidade 731, sendo que a maioria das vítimas era chinesa. Havia ainda soviéticos, mongóis, coreanos e pessoas pertencentes a países que opunham ao EIXO. Eles foram usados como cobaias para testes de armas bacteriológicas e outros experimentos. O maior número de mortes no campo de  Pingfang era de chineses (70%) e soviéticos (30%). A unidade funcionou até o final da guerra, em 1945.

 

Unidade 731 - foto atual

Os experimentos realizados envolviam armas ou procedimentos que poderiam ter uso na guerra. Por exemplo: em câmaras refrigeradoras, prisioneiros eram submetidos a temperaturas de até 50 graus celsius negativos para que os médicos pudessem descobrir a melhor maneira de tratar soldados japoneses que tivessem membros congelados durante batalhas no frio.  Para descobrir o que aconteceria a pilotos japoneses caso os aviões dessem pane os cientistas colocavam prisioneiros em centrífugas superpoderosas, onde ficavam rodando até morrer. Testavam bombas com bactérias ou com pulgas infectadas com peste bubônica ou febre tifoide foram jogadas sobre vilarejos chineses. Autópsias eram realizadas com pessoas vivas. E tudo foi minuciosamente registrado em desenhos científicos detalhados. Não foi por nada que a Unidade 732 ganhou o apelido de “Auschwitz asiática”.

Algumas dessas experiências são mostradas no drama, assim como os laboratórios nos quais pode-se ver, por exemplo, órgãos humanos, fetos e até cabeças dentro de vidros com formol. Aparecem também experiências feitas com crianças, que recebiam diariamente injeções e muitas delas desenvolviam doenças que as levavam a óbito. Muitas das experiências eram tão macabras que descrevê-las é difícil. Citei apenas algumas, mas para quem quiser saber mais, eu deixarei o link dos sites que eu consultei para elaborar este texto.

Com a derrota do Japão na guerra, Shiro Ishii encenou a própria morte para fugir do exército dos Estados Unidos, mas acabou sendo descoberto. No entanto, ele negociou sua liberdade em troca do conhecimento que reuniu em suas experiências na Unidade 731. Nem ele nem outros médicos que trabalharam na sua equipe chegaram a ser presos.

A China chegou a produzir um filme sobre a Unidade 731, “Campo 731 – Bactérias, A Maldade Humana” (Men Behind the Sun), de 1988. O diretor Tun Fei Mou que usou como locação o verdadeiro quartel general do 731, na província de Habin, na Manchúria. Em “A criatura de Gyeongseong” o campo é citado, mesmo que indiretamente. No drama, após o fechamento de um laboratório na Manchúria, as experiências teriam continuado na Coreia, que na época ainda chamava-se Joseon. De fato, o Campo 731 não foi o único local no qual experimentos eram realizados, mas ele foi o modelo seguido por outros laboratórios espalhados por outras regiões.

Por fim, uma coisa que  me chamou atenção no drama, foi a forma como os japoneses tratavam as populações dominadas. O desprezo, o ódio e a xenofobia estão presentes nas relações com outro de uma forma nauseante. Os japoneses alimentaram seu exército com homens recrutados em regiões dominadas, que eram obrigados a lutar pelo Japão e eram frequentemente vítimas de humilhando dentro do exército. Eram desprezados e ensinados a desprezar seus pares. Os japoneses reproduziam o mesmo pensamento de superioridade racial que considerava outros povos asiáticos inferiores moralmente e biologicamente. Esse tipo de comportamento que foi incentivado entre japoneses é bem representado na série, dando uma ideia de como dolorosa foi a dominação japonesa na primeira metade do século XX.


Mergulhar na cultura asiática tem sido um balde d'água fria em muitos sentidos, principalmente o histórico. Há histórias lá que deveriam ser de conhecimento de todos, há situações que merecem receber atenção mundial. Violência contra a mulheres e população LGTBQI+, xenofobia, alcoolismo, violência escolar e suicídio. O Leste Asiático está submerso em uma série de mazelas que podem ser explicadas por uma história marcada pela escravidão e pelas disputas imperialistas, que envolvem não apenas países da região mas, também, nações europeias e os Estados Unidos. Uma história marcada por violência e que reproduziu ao longo do tempo essa mesma violência.

 

Ao falar sobre os crimes de guerra do Japão não é necessariamente um ataque ao país ou a seu povo. Os japoneses também formam vítimas de seu próprio governo. Homens, forçados a servirem ao exército e a cometerem crimes horrorosos. Mulheres japonesas pobres foram escravizadas sexualmente e transformadas em prostitutas a serviço do governo. A intenção aqui é alertar para o fato de que estes crimes aconteceram e podem se repedir enquanto for alimentado um discurso belicoso e de ódio, discurso este que vem crescendo nos últimos anos. O Japão e a Alemanha da Segunda Guerra Mundial devem ser o exemplo do que não queremos para o nosso presente e, muito menos, para o nosso futuro.

 

REFERÊNCIAS

BROLIA, MARCOS(2014). 550 – Campo 731 – Bactérias, A Maldade Humana (1988). Disponível em: <https://101horrormovies.wordpress.com/2014/10/23/550-campo-731-bacterias-a-maldade-humana-1988/>. Acesso em 27 dez. 2023.

DRUMMOND, Pedro (2021). Uma Auschwitz Na Ásia: O Japão E Sua Macabra Unidade 731. Disponível em <https://historiamilitaronline.com.br/index.php/2021/03/25/uma-auschwitz-na-asia-o-japao-e-sua-macabra-unidade-731/>. Acesso em 27 dez. 2023.

LIMA, Claudia de Castro e (2016). Os terríveis experimentos japoneses com prisioneiros chineses. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/os-terriveis-experimentos-japoneses-com-prisioneiros-chineses?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=eda_super_audiencia_institucional&gad_source=1&gclid=CjwKCAiAs6-sBhBmEiwA1Nl8szaLjur5cAhvqZa2Qh_JYx61FHbUcPHbIxPuDh92DPHM3tWzLgSA5RoCi38QAvD_BwE>. Acesso em 27 dez. 2023.

PISSURNO, Fernanda Paixão. Unidade 731. <https://www.infoescola.com/historia/unidade-731/#google_vignette>. Acesso em 27 dez. 2023.

PREVIDELLI, Fábio. Unidade 731: o antro japonês de experimentos em humanos durante a 2ª guerra. Disponível em: < https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-o-que-foi-a-unidade-731.phtml>.

UNIDADE 731. Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Unidade_731>. Acesso em 27 dez. 2023.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA LOCAL: LEOPOLDINA, OCUPAÇÃO E POVOAMENTO

 


Este ano comecei um projeto com a amiga e colega de trabalho Luciene Nunes Silva. Preparamos um curso, dividido em três módulos, para professores e professoras do ensino fundamental, primeiros anos, do município de Leopoldina. O primeiro módulo foi oferecido em outubro. O curso consiste numa formação básica para o ensino de história local. O objetivo é, não apenas, oferecer informação para os e as docentes mas, sobretudo, introduzi-los no uso de conceito relacionados à história e de documentos que podem ajudar a complementar o ensino da história loca.

Para isso elaboramos um material inédito sobre a História de Leopoldina, que foi oferecido na forma de e-book.  O primeiro e-book (serão 3 volumes) se ocupou de questões ligadas à ocupação e formação da Zona da Mata e ficou divido nos seguintes tópicos:

1.  Os primeiros habitantes de Leopoldina: características dos Puris e dos Coroados e  sugestão de atividades em sala de aula.
2. O mito de origem: a Lenda do Feijão Cru.
3. A ocupação do território: a criação do município; trabalhando história a partir de mapas.
4. Quem foi a Princesa Leopoldina? -  Trabalhando a biografia e a escrita de si nas aulas de história
5.  O jornal como fonte para aulas de história

Para os próximos módulos, que vão acontecer nos meses de abril e agosto (datas ainda não definidas) iremos explorar outros aspecto da história local como política, sociedade, arte, cultura, educação e saúde, procurando trazer material inédito que possa não apenas atualizar conteúdo como, também, permitir aos professores e professores a oportunidade de ter acesso a informações que dificilmente serão encontradas de forma ordenada na internet.

Diferente do que muita gente acredita, não é fácil e muitas vezes nem é possível, encontrar material sobre conteúdos relacionados à história local na internet. Isto porque trata-se de temas específicos que são condicionadas à um produção historiográfica que pode não estar disponível na rede ou mesmo  não existir. Tendo isso em mente, oferecemos o curso para a Secretaria Municipal de Educação de Leopoldina e fomos prontamente atendidas. Esperamos que nos próximos módulos passamos aprofundar junto aos professores.

Quem tiver interesse pode acessar o livro clicando aqui!

sábado, 23 de dezembro de 2023

COMENTANDO O K-DRAMA "OS OUTROS NÃO"


Sou fã de dramas coreanos desde 2019, mas assisto também produção asiáticas de outros países como China, Tailândia e Vietnã. Gosto muito de alguns tipos específicos de dramas, principalmente aqueles que fogem ao lugar comum e, mesmo tendo alguns clichês, muitas vezes necessários, trazem histórias envolventes. É o caso de "남남 (NamNam)", "Not Others", em português "Os outros não".  O drama conta a história de mãe e filha que dividem juntas uma vida cheia de altos de baixos. 

 

Eu confesso que me interessei pelo drama por conta de uma das protagonistas Jeon Hye-jin, uma atriz muito talentosa, que na casa dos quarenta anos continua trabalho em muitos projetos numa indústria que privilegia as mulheres jovens. Não é uma comédia romântica, embora exista interesses românticos para as protagonistas, os homens apenas estão lá para reforçar a força das mulheres, que deles nada dependem, muito pelo contrário. 

A história começa quando a estudante do ensino médio Kim Eun Mi (interpretada por Jeon Hyejin), descobriu que estava grávida. Determinada a criar sua filha, Jin Hee (interpretada pela cantora Choi Sooyoung), a jovem mãe enfrenta muitos desafios. O primeiro foi a família do namorado, que proibiu o relacionamento, o segundo foi sua própria família, com um pai alcoólatra do qual a moça era vítima constante de violência doméstica. sozinha, as duas enfrentam juntas todas as adversidades da vida.

Ao longo dos 12 episódios da série vamos conhecendo um pedacinho do passado destas duas mulheres e entendendo melhor sua relação, que muitas vezes parece muito mais a de duas irmãs (sendo a mãe a irmã caçula e rebelde) do que de mãe e filha. Jin Hee durante toda a narrativa deixa claro que, apesar das brigas constantes com a mãe, ela é sempre sua prioridade. As duas não falam de relacionemos externos, vivem de dependem uma da outra numa relação quase simbiótica e não querem mudar isso.

Eun Mi já com quase 50 anos trabalha como fisioterapeuta, Jin Hee, de 29 anos, tem uma carreira como policial. Nem mesmo o aparecimento do pai biológico muda a conexão entre mãe e filha. Mais do que falar dos desafios da maternidade enfrentados por uma jovem num país conservador e machista como a Coreia do Sul, o drama traz temas atuais e sensíveis como a violência contra as mulheres, a opção por uma vida de solteira, tanto da mãe quanto da filha e o próprio conceito de família, já que as duas tiveram que construir uma família não parental, ao longo de sua trajetória. Amigos que as colheram ganharam um status de família enquanto que aqueles com os quais Jin Hee compartilha laços consanguíneos são pessoas completamente estranhas à sua realidade.

Esta parte, em especial, foi que me prendeu à trama e me fez levantar questões com relação ao conceito que temos e que reproduzimos mesmo que inconscientemente de família. Acredito que, dentro da realidade sul coreana, esse debate seja ainda mais acalorado, uma vez que essa sociedade se alicerçou dentro de uma filosofia confucionista, baseada no dever fundamental dos filhos cuidar e obedecer aos seus pais e honrar os ancestrais. 

O respeito pela autoridade e pela autoridade familiar também é uma característica importante do confucionismo. Uma família hierarquizada em todos os sentidos. Muito diferente do núcleo familiar criado por Kim Eun Mi e sua filha. Enfim, para quem tiver interesse numa história engraçada e, ao mesmo tempo comovente, eu recomendo. Este drama está disponível no VIKI para assinantes, mas acredito que pode ser encontrado gratuitamente nos fansubs.

 

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

PROJETO VARAL DE MEMÓRIAS


Este ano eu emplaquei vários projetos mas não consegui separar tempo para registrar, em palavras escritas, nenhum deles. Vou aproveitar o final do ano para fazer isso. Projetos, resenhas de livros e de quadrinhos, pretendo colocar tudo em dia em dezembro e janeiro. 

Vou começar com o projeto que eu desenvolvi recentemente na E. M. Judith Lintz Guedes Machado, Leopoldina (MG) e que recebeu o nome de "Varal de Memórias". Trata-se de um  projeto que começou a ganhar corpo em agosto de 2023, justamente na semana do estudante (semana em que comemoramos o dia do estudantes, 11 de agosto, com atividades extras na escola) . Eu resolvi, na inspiração, pedir para que cada aluno/a escrevesse pelo menos meia filha de caderno contanto uma lembrança/experiência relacionada à escola.  As experiências seriam transcritas e faríamos um varal no qual cada um colocaria seu texto. Daí o nome de "Varal de Memórias".

Era para ser uma atividade apenas para minhas turmas do oitavo ano, mas acabou se tornando um projeto maior, que envolveu 8 salas e alunos do 7º ao 9º ano. Os textos eram tão interessantes que acabei abandonando a ideia original e resolvi transcrever os 110 texto que recebi e transformar em um livro. Com isso eu manteria o registro daquelas memórias e os alunos/as que participaram do projeto poderiam ter consigo o fruto do seu trabalho e compartilhar suas memórias com outras pessoas.

Foi assim que nasceu o livro "Varal de Memórias" que foi lançado oficialmente no dia 02 de dezembro, numa cerimônia que teve a participação de alguns alunos que participaram da atividade, além de pais, professore e autoridades ligadas à educação e à cultura, de Leopoldina (MG) e até de outros municípios da Zona da Mata. Foi emocionante. 




O livro foi literalmente impresso na escola. A diretora imprimiu e encadernou pessoalmente exatos 110 unidades e também fizemos uma versão e-book. Estamos levantando a possibilidade de conseguirmos verba para imprimir em gráfica 100 unidades do livro, para serem distribuídas para escolas do munícipio, mas isso é projeto para 2024. 

Fazendo um apanhado geral, a experiência de organizar um livro de memórias foi um desafio e um prazer. Um desafio pois trabalhar com jovens requer certos cuidados e eu meio que pisei em ovos com relação aos relatos, porque eu estava trabalhando com menores. O primeiro passo foi pedir autorização dos pais/responsáveis e garantir o anonimato dos participantes. Sim, não nomeei os alunos/as, por questão de ética com pesquisa envolvendo seres humanos. Fui orientada a proceder desta forma.  Outro desafio foi de organizar o livro da forma devida.

Prometi aos alunos que eles teriam tratamento de autor. Não deveriam se preocupar com a escrita pois todo o material seria revisado antes de publicado. Para isso eu contei com a ajuda da equipe do professor Nataniel Gomes do curso de letras UEMS, que se voluntariaram para fazer a revisão. A diagramação foi realizada juntamente com o professor Amaro Braga, da UFAL, amigo de longa data. A capa foi criada por duas aluna da escola, Lívia e Vivian, e tratada digitalmente pelo designer e quadrinista Hamilton Kabuna. O prefácio foi realizado pela professora Fabiana Rubira, da FEUSP. Enfim, foi um trabalho coletivo, envolvendo pessoas de dentro de fora da escola.

O prazer veio na reação dos/as estudantes que participaram do projeto tanto durante o processo de produção do texto quanto no lançamento do livro. Aqueles que não puderam estar presentes no lançamento buscaram seus exemplares e foi muito recompensador ver como liam com interesse e comentavam entre si sobre os textos.

Para quem tiver interesse em conferir o trabalho basta clicar aqui e baixar gratuitamente o e-book. Se quiser deixar suas impressões, faça um comentário. Irei compartilhar com os alunos/as da escola.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

COMENTANDO A HQ COLABORAÇÃO HORIZONTAL

 

Eu gosto de Histórias em Quadrinho produzidas em contextos históricos específicos e que trazem reflexões sobre questões importantes, muitas vezes desconhecidas do grande público pois não contam dos livros de História. É  o caso  de "Colaboração Horizontal" publicada no Brasil em 2022, pela editora Nemo. Esta HQ estava na minha lista de leitura já havia um tempo. Colaboração horizontal é um termo (que particularmente eu não gosto) aplicado às relações românticas e sexuais entre mulheres e soldados nazistas durante o período de ocupação da França pela Alemanha durante a II Guerra Mundial. 

Contextualizando, em 1940 a França caiu nas mãos do EIXO, sendo invadida pelo exército italiano e Alemão. O governo francês foi derrubada e o país foi divido. Surgiu a França de Vichy, um regime francês que colaborou com os nazistas ao longo da guerra, enquanto a outra parte do país foi ocupada por tropas alemães e, ao sul, formou-se um governo de resistência liderado por Charle de Gaulle.

Apesar do movimento de resistência e da ação de civis dentro das áreas ocupadas e das áreas livres, uma grande parte da população se calou frente a ocupação e se omitiu no que dizia respeito à perseguição de judeus e outros grupos pelos nazistas. Pode-se dizer que uma parte significativa da população francesa fez vista grossa ou declarou sua simpatia ao nazismo nestes 4 anos e ocupação. Alemães e franceses viviam e conviviam de forma despreocupada. 

Mas, com o fim da guerra, aqueles que declararam favoráveis à resistência subitamente aumentou assim como surgiu a necessidade de encontrar alguém a quem punir e responsabilizar. As mulheres foram o alvo perfeito, em particular aquelas que mantiveram qualquer tipo de relacionamento afetivo e físico com alemães, independentemente de ser consensual ou não. Essas mulheres foram humilhadas publicamente, presas e mesmo mortas, consideradas traidoras da França.

Fonte: Quora

Elas foram alvos de linchamentos morais públicos e da purga, que consistia consistia na raspagem de seus cabelos e no desfile público pelas ruas das cidades, vilas ou aldeias. Muitas das mulheres eram também despidas e marcadas com a suástica nazista através de tintura ou mesmo com ferro quente. Além de toda a humilhação, elas foram condenadas a penas de seis meses a um ano de prisão em decorrência da suposta colaboração com o inimigo. Cerca 20.000 mulheres foram alvos das purgas legais na França.[1]

Esse o tema explorado pelas autoras Carole Maurel (arte) e Mademoiselle Navie (roteiro) nesta HQ. Elas trazem no centro na narrativa a história de uma jovem mulher, casada, Rose, cujo marido era prisioneiro guerra, que vive um romance com um soldado alemão, Mark. A história começa a ser contada pela protagonista, já idosa, e acaba envolvendo muitas outras mulheres, presente nos entorno de Rose.

Na verdade, a HQ trata justamente da forma como essas mulheres viveram este momento sombria da história da França e da humanidade. Elas são submetidas á violência por parte dos homens, seus maridos e/ou vizinhos, e tentam se defender e sobreviver num ambiente hostil no qual são objetificadas e inferiorizadas. Mulheres forçadas a se prostituírem para continuar vivendo e, ao mesmo tempo, perdendo a vontade de viver quando abrem mão da sua dignidade; mulheres que lutam para ajudar a libertar a França e proteger judeus; mulheres que tentam se aceitar e se defender do olhar preconceituoso do outo.

Colaboração horizontal fala de família, de resistência, de amor, de ódio, de sentimentos múltiplos e antagônicos que se misturam num ambiente belicoso, numa sociedade com relações desestruturadas pela guerra.

Uma leitura agradável, uma obras bem produzida com arte impecável.